segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Felicidade a qualquer custo.

Um acontecimento crucial abalou a cidade de Longesville. A Bruxa Berenice em meio a sua angústia de praxe havia conseguido realizar a poção que levara anos tentando produzir. Era ela uma mulher infeliz. Frustrada e entediada pelos os dias monótonos que passava dentro de seu laboratório inspirado em modelos de filmes de terror holiwoodiano. Sua desgastante busca chegara ao fim. Finalmente. A poção da felicidade estava pronta. Faltava somente colocá-la em uso.
Logo nas primeiras horas da manhã de dezembro, Berenice soprou aquele pequeno pó fino como o pó de vidro pela janela de sua masmorra. O vento se encaminharia de espalhá-lo pela cidade cinzenta.
Não demorou muito para que a cidade fosse contaminada pela magia da velha bruxa. Em poucos instantes todas as crianças sorriam escandalosamente. Os adultos que por acaso se encontravam, sem nunca terem se visto antes, de imediato passaram a cumprimentar-se efusivamente. Parecia um festival de sorrisos e gargalhadas. Em cada esquina as pessoas se aglomeravam para pequenos bate papos, falavam exclusivamente de coisas boas. Ninguém ousava comentar do estado moribundo de seus parentes reclusos nos hospitais públicos. Já não se falava de demissões, boletins vermelhos, rompimento de relacionamentos. Nada. Até as dores de dente pareciam camufladas naquele momento.
Os dias corriam rápidos, rápidos e felizes. Mães em harmonias com seus filhos. Maridos divorciados abraçavam os novos pretendentes de suas esposas. Uma felicidade contagiante, embora um pouco mais próxima a mania, que muitas vezes antecede a depressão. Até os jornais, antes tão acostumados a divulgar as piores notícias, pareciam deixá-las de escanteio. As notícias eram sempre as melhores, o farmacêutico cheio de dívidas que ganhara na loteria, a empregada doméstica acometida por um câncer que recebera uma cura extraordinária, a nova lei que beneficiaria a todos e fora finalmente aprovada. Longesville havia se tornado a cidade imaginária da felicidade.
A bruxa Berenice não se cabia de satisfação. Em anos de profissão finalmente fizera algo de útil. Olhava-se diante do espelho e notava uma ou outra verruga a mais. Agora isso não tinha a menor importância. Ninguém notaria seus cabelos brancos, sua pele envelhecida pelos anos de labuta. Todos estavam com os olhares voltados para o que há de bom. Diziam mesmo que até as mulheres cujas celulites eram maiores que as bundas desfilavam de fio dental nas praias da cidade. Tudo agora era permitido, as pessoas viviam em êxtase.
Os hospitais públicos, é verdade, não comportavam mais doentes, a gripe americana havia chegado à cidade meses antes, dizimara pequenas vilas mundo afora, e não parecia diferente em Longesville. Faltavam leitos, faltavam medicamentos, máscaras de proteção e luvas de silicone, mas ninguém parecia se importar. Dizem que até os doentes faziam graça de sua desgraça. Muitos morriam: _ Pura fatalidade! Diziam outros.
A prefeitura custava a dar conta dos gastos extraordinários do prefeito. Eram churrascos de boas vindas aos políticos de outras cidades, cargos criados para atender a todos que estivessem desempregados, bolsa família, bolsa escola, bolsa churrasco de final de semana. O prefeito estava feliz, não poderia agir de forma diferente. O que é a política se não a busca para o bem comum? Certamente todos os gastos assim se justificavam.
Nas escolas a cena era a mesma: professores compartilhavam de suas alegrias com seus alunos. Compartilhavam também alguns pontinhos na prova, isso é verdade. Afinal os tempos eram esses. Tempo de ser feliz! Exatamente essas eram as palavras que compunham a faixa que fora colocada na praça dos cisnes brancos (antigamente chamada de praça dos patinhos). Ninguém era mais reprovado em escola nenhuma, resolvera um belo dia o diretor tomado pela alegria.
Templos, igrejas, ironicamente já não estavam tão cheios. Os assentos da igreja Central brilhavam de longe, tantas vezes foram encerados para receber o rebanho, que parecia de férias. Alguns poucos apareciam nas missas de domingo, a fim de agradecer ao criador por tantas bênçãos. Todavia, o rebanho clássico, desaparecera de vez. O glorioso dono de tudo já havia atendido todas as suas preces, poucas seriam as razões para continuar orando. Davam-se por satisfeitos com os serviços prestados outrora.
Bons tempos aqueles. Quisera uns que fosse para sempre. Mas para sempre é mesmo um termo específico de contos de fadas. Este não é um conto de fadas.
Em Outubro do ano seguinte, próximo ao dia 14 do mês de libra, as coisas pareciam começar a mudar. A felicidade não, até porque magia de bruxa só se tira com antídoto.
Longesville é que estava mudando. As contas públicas haviam escandalosamente quebrado a prefeitura. Hospitais precisaram ser fechados, até mesmo uma gripinha trivial estava matando uns e outros, por falta de leitos e medicamentos. As crianças, muitas delas, já não freqüentavam mais as escolas. Os objetivos para tanto não lhes faziam mais nenhum sentido. A finalidade da vida não era ser feliz? Já o eram, e isso era o bastante.
Os padres, bispos e toda sorte desse tipo de gente beiravam o desespero. O mais interessante é que sorriam diante a própria desgraça. Parecia um sorriso falso, efêmero. Como o choro de quem faz parte de um velório e nem conhecia o defunto. A impressão é um engano, porque de fato estavam mesmo felizes, aparte de sua realidade deprimente. Sem o dízimo os templos começaram a ruir. A energia da igreja já estava cortada há meses, a empresa estatal fornecedora de luz não perdoava ninguém. O padre confessava de canto de boca estar um pouco cansado dos banhos gelados, como as águas da cachoeira da cidade vizinha. Acabaria por se acostumar.
A cidade vizinha era Munchester. Vizinha por ser a única mais próxima, mas não era assim tão próxima. Uns bons quilômetros a distanciavam de Longesville, quilômetros suficientes para manterem-se sempre apáticas, distanciadas mesmo.
Entretanto a distancia não foi o suficiente para deixar Conde Eustasen a parte das informações que corriam pelo mundo afora. Longesville havia se tornada famosa por seus cidadãos sorridentes e desgraçados, por mais incompatíveis que pareçam estas palavras. Eustasen era o prefeito de Munchester, um homem ranzinza, antipático até. Já não estimava muito o prefeito de Longesville, tiveram uma rivalidade na infância por causa de algumas figurinhas no jogo do bafo. Existem ressentimentos que são eternos, e o conde era bom em mante-los assim.
Aproveitando-se da condição atípica da cidade Eustasen não perdeu tempo. Era indubitavelmente a melhor chance que tinha de tomar para si a cidade ao lado, tal qual Hector havia lhe tomado as cartas no bafinho. Organizou as pressas e silenciosamente o seu bravo exército. Três dúzias de homens, dentre os quais alguns mendigos, operários a meses desempregados, jovens miseráveis cuja única possibilidade de sustento seria a guarda armada, um antigo barbeiro cujo salão fora tomado pelas dívidas. Nada diferente dos exércitos das grandes cidades. Talvez um pouco menos numeroso.
Esbravejava logo na primeira reunião:
_ É preciso ter coragem! Chegou a nossa hora! Longesville será nossa!
Fora logo amplamente aplaudido pelas seis dúzias de mãos. Os pracinhas já contabilizavam os seus ganhos, os saques que fariam, as jóias com as quais presenteariam suas esposas, o velho barbeiro já tinha em mente tudo o que precisaria para seu novo salão.
Em poucos dias o plano já estava pronto. Longesville continuava a sorrir, sem conhecimento da tragédia que estava por acontecer.
A batalha começou às vinte horas do dia vinte e quatro de dezembro. Muito bem escolhida a data, dissera Munchester a seu primeiro secretário Euroclos. A sugestão foi logo acatada, porque sem dúvidas os tolos sorridentes mais ainda sorririam na noite do bom velhinho. Nem se pode dizer que foi uma batalha. Duelo, batalha, são palavras que implicam outro, um conflito, uma guerra no mínimo. Não foi isso que encontraram em Longesville. A golpes de facas, tiros de espingarda, rajadas de canhão a população da pequena cidade imaginária respondia com sorrisos. Pernas foram decepadas, braços desfeitos em vários pequenos ossos não identificáveis, rostos desfigurados. Mas os sorrisos, estes permaneciam nos lábios dos dizimados. A cidade toda fora destruída em dois dias de batalha sangrenta. Os poucos idiotas que sobraram vivos foram logo direcionados aos campos de trabalho forçado de Munchester. Conde Eustasen sentira-se finalmente vingado. Até mesmo a figurinha do Zico que lhe fora tomada por seu inimigo estava recuperada pelo fiel Euroclos.
A bruxa Berenice não continha o seu sorriso, ali, distante, assistindo tudo o que planejara de sua pequena janela na masmorra. Não podia haver ninguém mais astuta do que ela. Sempre soube que pra tudo tem limites, inclusive para a felicidade. Na estante de madeira de lei que ficava a esquerda de sua escrivaninha fora guardada a sua fórmula de maior sucesso. Em letras garrafais, um pouco desajeitadas, dado a escassa habilidade de escrever da bruxa, podia se ler: Prozac.

2 comentários:

  1. Quão alegre e surpreso fiquei ao ver que também tinha um blog, percebo que temos mais em comum do que pensei inicialmente.
    Seu dom com as palavras é algo que vc utiliza muito bem, agora chega de rasgação de ceda e vamos ao texto:
    Acredito que felicidade plena não existe, e sim feita de momentos e pode estar em algo ou em alguém. Foi justamente o que senti no seu texto, quem na verdade busca a felicidade plena não a encontrará. Talvez no determinante momento da vitória o conde tenha tido mais felicidade do que todos os outros, mas só naquele momento, e no futuro quando se lembrar dele, afinal terá que conseguir outros objetivos para ter mais momentos felizes...


    Parabéns, vc foi ótima

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  2. A infobook cria livros eletronicos, no site http://infobook.atspace.com
    levros eletronicos é muito popular nos EUA, aqui não muito, mais é uma otima forma de divigar seu livro.

    infobookbrasil@yahoo.com.br

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